sábado, 14 de janeiro de 2017

UMA (não) VIAGEM E UMA VIAGEM À URSS. Recordo uma oportunidade perdida de viajar na comitiva do Primeiro-ministro Soares, durante o governo do "Bloco Central". Teria sido a mais longa, e nas condições mais difíceis, com exposição inevitável ao frio e ao vento, quando não à neve. Nada que me fizesse recusar o convite, que só fiquei a conhecer "ex post facto". Nesses anos, de 83 a 85, morreram, um após outro, vários líderes soviéticos e o Dr Soares foi, suponho, aos seus sucessivos funerais. Estava ele já na URSS, na primeira dessas solenes exéquias, quando o Doutor Mota Pinto (Vice- Primeiro Ministro e Ministro da Defesa) me informou: "Nem a Manuela imagina do que eu a livrei! Do funeral de Moscovo - horas e horas, de pé, com um tempo gélido! O Doutor Soares sugeriu o seu nome, em representação dos membros do governo do PSD, mas eu disse-lhe que do PSD não ia nenhum". O mais gratificante deste episódio, ou "não episódio", é que, segundo me contou, o Dr Soares lhe tinha dito que preferia que fosse eu a acompanhá-lo, porque me achava divertida. Acabei por integrar a comitiva de Mário Soares, então Presidente, numa viagem oficial a três repúblicas soviéticas, cerca de dez anos depois. Já em pleno tempo de degelo de relações Este/Oeste, com a ascensão de Gorbatchev ao poder. Degelo diplomático, que não climatérico. Mal conseguíamos caminhar no chão branco de Moscovo. Logo no aeroporto, assisti a várias quedas e exercícios de patinagem. Eu própria, embora habituada às neves do inverno parisiense e norte-americano, me vi a escorregar perigosamente durante todos os dias que passei na Rússia - até voarmos para a Arménia e Azerbeijão. Foi uma viagem esplêndida! O Presidente Soares conseguia escapar, de vez em quando, aos rigores da segurança e do protocolo... Levava com ele uma comitiva parlamentar tão numerosa e pluri-partidária quanto possível. Em vez de seguir o critério da proporcionalidade de representação, a Assembleia, respeitando o seu pedido, mandou um membro de cada um dos grandes ou pequenos grupos parlamentares. E o Dr Soares deleitava-se a fazer pedagogia democrática naquelas repúblicas de partido único, apresentando cada um dos partidos ali presentes, através dos deputados, da esquerda mais à esquerda, até à direita mais à direita, em todas as gradações... O pior é que. como éramos tantos, o protocolo local, em vez de nos distribuir em, pelo menos, três "limousines" pretas, acumulava-nos numa vulgar carrinha ou "mini-bus", que, inevitavelmente, ocupava a cauda do cortejo automóvel, como o tradicional "carro-vassoura" no ciclismo. Depois, como o Presidente se recusava a iniciar qualquer cerimónia sem a nossa presença, era uma correria para chegarmos junto dele. O atraso parecia culpa nossa. Tanto protestei com o protocolo local (perante a inércia dos diplomatas portugueses) que resolvi o problema, sempre ao 2º dia, em cada uma das três Repúblicas. Não me queixei nunca ao Presidente, para não despertar a sua justa ira... Em outros casos, as autoridades soviéticas deram melhores provas, sobretudo no caso de um dos convidados presidenciais que, em Helsínquia, onde tínhamos pernoitado, num primeiro "stop" em rota para Moscovo, dormiu pesadamente e perdeu o avião! Nem sequer o passaporte tinha com ele (estava nas mãos do nosso protocolo, com certeza), pelo que entrou em Moscovo com um simples cartão de visita. Houve um sem número de momentos inesquecíveis nesse longo périplo, em que umas vezes seguia o programa do Presidente e outras o da Dr.ª Maria Barroso (o mais difícil foi escolher entre a visita a um poço de petróleo ou a uma passagem de modelos no Azerbeijão - optei por esta, não menos arcaica e, sem dúvida, mais hilariante). De qualquer modo, a minha maior contribuição durante esses dias foi ir no avião, à janel,a muita atenta às nuvens no momento em que de entre elas irrompeu o cume branco do monte Ararat. Gritei: "Ararat! Que beleza!" E o Presidente e toda a gente. ao menos naquela cabin,e pode contempla-lo.

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